A Parábola dos Tomates

Meu pai, Airton, ou o Gordão como eu o chamava, faleceu em Abril de 2019. Esta com certeza foi a dor mais doída que eu já senti ao longo destes meus 34 aninhos. E olha que minha vida não foi uma das mais fáceis…

O Gordão foi um cara incrível, ele amou muito nossa família e as pessoas, isso deu para ver no seu enterro. Eu nunca participei de um enterro tão cheio!

Eu estava andando ali pelos corredores do velório para resolver algumas burocracias e acabei escutando uma conversa entre duas pessoas que estavam participando de um outro enterro. Era mais ou menos assim:

Nossa, quem será que morreu alí?

Não sei, deve ser algum artista!

Ele foi, um artista na arte de amar! Não foram uma e nem duas pessoas que eu não conhecia e vieram me abordar no enterro falando:

Nossa, o teu pai me ajudou tanto!

E logo começavam a contar suas histórias com ele…

Outra coisa que ele dominava a arte, era em falar! Oh bichinho que gostava de falar, principalmente das coisas de Deus. Era ele começar a falar sobre Deus e seus olhos azuis já se enchiam de lágrimas.

Ele realmente amava a Deus acima de todas as coisas.

Meu pai foi um cara muito íntimo de Deus e tinha várias histórias com Ele. Uma que ele sempre contava era a história dos tomates.

Em Mateus 22:14, Jesus fala o seguinte:

“Pois muitos são chamados, mas poucos são escolhidos”.

Na cabeça do Gordão, isso não fazia sentindo, ele pensava:

Quer dizer então que Deus faz acepção de pessoas? Mas como se na própria Bíblia fala que Deus não faz isso?

E isso era uma coisa que ficava sempre na cabeça dele.

Até que um dia, logo no começo do casamento, minha mamãezinha pediu para ele ir comprar alface crespa e tomates na feira que tinha perto da casa onde moravam.

Ele sempre fazia a mesma brincadeira, dizendo:

Eu não tinha a menor ideia do que era alface crespa. Para mim alface crespa e couve eram a mesma coisa.

Ele foi para a feira e quando estava escolhendo os tomates, ele conta que ouviu uma voz perguntando o seguinte:

O que você está fazendo?

Ele responde:

Ué, estou escolhendo tomates.

Aquela voz faz outra pergunta:

É você quem escolhe o tomate ou é o tomate que se dá a escolher?

Ele responde novamente:

É o tomate que se dá a escolher. Porque se ele for bom para a salada eu o escolho.

Aí ele conta que a voz falou bem forte mas cheia de amor:

É ASSIM QUE EU FAÇO! Eu faço o convite para todos, mas são poucos os que aceitam e se preparam para isso.

O Gordão nessa hora sempre se emocionava, ele tinha conhecido uma nova dimensão do amor de Deus. Aquilo era tão real, que os olhões azuis dele podiam te levar para aquela cena.

Lembrando dessa história e revisitando essa passagem de Mateus, eu fico me perguntando:

  • Será que eu tenho aceitado os “convites” certos que eu tenho recebido?
  • Será que eu estou preparado para esses “convites”?
  • Será que eu estou me preparando para os “convites” que eu gostaria de receber?
  • Será que eu estou disposto a aguardar e estar preparado por um longo tempo até que chegue a data do “convite”?

Confesso que por algumas vezes, quando meu pai começava a contar essa história, eu falava comigo mesmo:

Lá vem o Gordão com essa história dos tomates.

Hoje, eu deixaria ele contar essa história mil vezes e o abraçaria ao final de todas elas.

Te amo Gordão, saudades!

Photo by Maryna Yazbeck

Perfeição que incomoda

“Não acredito que você está chorando”, “como assim, já é convertido há anos e ainda sofre com esse vício?”, “Ah, se você apenas seguisse esses passos, você com certeza seria curado”, “como é que você ainda está nesse nível?”, “ainda não conseguiu descobrir seu chamado?”….. e a lista continua.

Parece que hoje em dia (provavelmente há séculos) a imperfeição incomoda profundamente a todos, ou talvez seja o contrário, pois é a perfeição que me incomoda mais. Tudo precisa estar no lugar certo, na hora certa e na maneira certa. É claro que eu amo quando eu gabarito uma prova, quando consigo vencer um obstáculo gigante, quando tudo parece estar em plena paz ao meu redor e dentro de mim. Só que a perfeição mesmo eu nunca encontrei ainda nessa vida.

Lidar com as conquistas é fácil, mas lidar com o fracasso é uma arte que parece que nunca nos foi ensinada. Ouvimos desde criança: “Você pode ser quem você quiser ser, basta querer” ou “Você é especial e tem algo lindo que o mundo precisa.” Daí crescemos, e vemos que nosso chefe não vai com nossa cara, nossos colegas são muito mais talentosos/influentes do que nós, que às vezes o dinheiro que esperamos não aparece, que a doença nos pega de surpresa, que nossos relacionamentos não são como os de comédia romântica, e que nosso emocional não cresce na velocidade da nossa idade cronológica.

O fracasso é real. A dor é palpável. A tristeza é tangível. Sim. Tudo isso existe. Só que parece que mais do que fora da igreja, dentro da igreja isso não pode existir. Fico a pensar nas palavras de Jesus: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” Eu sempre sou tão grata que Ele foi perfeito para me dar vida eterna, mas mais que isso, Ele soube navegar as águas da decepção, da fraqueza e da rejeição e sendo humano, venceu.

Vivemos em uma cultura de igreja em que não podemos sofrer, que o fraco é aquele que chora o culto inteiro, que o frágil é aquele que compartilha suas fraquezas, que o inseguro é aquele que não tem as respostas.

Aprendi que em cada sofrimento, eu sou transformada por Ele, eu me torno mais sensível ao meu próximo, perco minhas respostas prontas e me encontro com mais perguntas do que quando comecei. Aprendi que existe sim a beleza na imperfeição, existe sim a força na vulnerabilidade, existe sim a coragem em meio as lágrimas.

Chore o que precisar, desabafe a dor e grite sua frustração. Deixe de lado a roupa da perfeição falsa e veja que está tudo bem, sim, mesmo com tudo desmoronando, está tudo bem. O sol voltará a brilhar, o mar será mais calmo, as flores nascerão novamente — tudo em Seu perfeito tempo.

A vida é um conjunto de ritmos variados, de melodias e silêncios, de vales e montanhas. O que foi conquistado na Cruz por nós não foi uma vida perfeita, mas uma vida inundada de Graça para continuar sem amargura, sem rancor e lutar pelo próximo tempo melhor. Que hoje em nosso coração ecoe sempre as palavras: “Tende bom ânimo. Eu venci.”